Corrida pelo lítio: entenda aspectos fundamentais da eletrificação da mobilidade urbana

 Corrida pelo lítio: entenda aspectos fundamentais da eletrificação da mobilidade urbana

A exploração deste elemento primordial à bateria dos veículos elétricos gera altos custos, além de impactos ambientais e sociais. É possível impedir que esse processo agrida a natureza?

É provável que, ultimamente, você já tenha ouvido falar no lítio algumas vezes, e também, tenha se perguntado por que, de repente, ele virou pauta. De fato, o lítio nunca foi um elemento mineral tão procurado como em tempos recentes.

Buscando um futuro cuja mobilidade urbana se torne mais sustentável e, portanto, menos agressivas ao meio ambiente, diversas montadoras de automóveis têm apostado suas fichas nos carros elétricos. E o lítio tem tudo a ver com isso. Exemplo bastante comum de utilização do lítio são as baterias de celulares, e isso nos faz concluir que ele serve para os equivalentes instalados nos veículos elétricos.

Apesar de já ser uma realidade em países desenvolvidos, a presença dessa modalidade no Brasil ainda é discreta. Porém, a exploração da matéria-prima de suas baterias já se faz perceptível em minas espalhadas pelo país.

Características do lítio

Classificado como metal leve – a exemplo do alumínio – o lítio tem propriedades extremamente úteis para serem aplicadas em processos industriais e integrar componentes eletrônicos, como baterias.

Sendo o mais leve de todos os elementos sólidos, o lítio tinha até agora um papel industrial modesto. De cor prateada – mais maleável do que o chumbo, por exemplo – ele vinha sendo usado sobretudo em ligas de alumínio, como base para graxa de automóveis, além da produção de vidro e cerâmica. No entanto, há cerca de 10 anos, ganhou papel de destaque, especialmente com o sonho da eletrificação dos automóveis.

Uma das condições que envolvem o lítio é a ambivalência, não necessariamente no sentido químico do termo. Embora não se trate de um metal raro, também não estamos falando de um elemento tão abundante quanto outros minerais, como o ferro. De acordo com o chefe executivo da Companhia Brasileira de Lítio (CBL), Vinicius Alvarenga, o Brasil concentra menos de 1% do lítio mundial.

Além disso, o processo de explotação – mineração econômica (não confundir com exploração) – do lítio exige um alto investimento, principalmente em razão da enorme demanda tecnológica para sua extração.

A tecnologia de ponta é um fator essencial à explotação, tendo em vista as duas maneiras distintas de obter o lítio: explotação envolvendo a extração de carbonato e cloreto de lítio pela evaporação de salinas, ou em depósitos minerais em maiores concentrações. O primeiro ocorre na região da Cordilheira dos Andes, sobretudo na Bolívia, e exige grande contingente de mão de obra. Já o segundo predomina em pedreiras no Brasil.

De acordo com o professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e engenheiro de minas especialista em impactos ambientais, Luis Enrique Sánchez, a procura pelo lítio tem crescido muito rapidamente nos últimos dez anos.

“Estamos falando sobre automóveis, mas também vários produtos eletrônicos também precisam de baterias de lítio. Por conta disso, a procura e a produção têm crescido muito, ainda que o Brasil não seja um dos maiores produtores.”

Luis Enrique Sánchez

Vinícius Alvarenga, chefe executivo da CBL, também aponta para o aumento exponencial da demanda pelo lítio no período.

“Desde 2015, principalmente pela demanda de meios elétricos a procura pelo lítio cresceu bastante. Na época, a indústria mundial produzia 200 mil toneladas por ano, enquanto hoje está em torno de 400 mil toneladas por ano, e espera-se que em 2030 chegue a 2 milhões de toneladas por ano”, esclarece.

Além disso, Alvarenga explica que o Brasil ainda está longe de dar a largada na corrida pelo lítio: “Internacionalmente, 75% do lítio explotado vai para indústria automotiva para fabricação de baterias de carros elétricos, e no Brasil é zero.”

Vinícius Alvarenga

A explotação sustentável

A corrida pelo lítio e outros elementos minerais que compõem as baterias dos carros elétricos invade as minas de vários países. Exemplo nítido desse cenário é a explotação do lítio na mina de Nevada, nos Estados Unidos. Entretanto, essa prática simboliza uma tensão fundamental que surge por todo o mundo: veículos elétricos e energias renováveis podem não fazer tão bem para o meio ambiente como parece.

A produção de matérias-primas como lítio, cobalto e níquel, essenciais para essa tecnologia, frequentemente arruínam terras, águas, vida selvagem e seres humanos. Em suma, o produto final em si não seria o problema, mas seu processo produtivo seguiria altamente danoso à natureza.

Para Luis Enrique Sánchez, os impactos ambientais da explotação do lítio variam de acordo com o processo. Ele destaca que é possível evitar o desmatamento, bem como criar maneiras de evitar que a água da chuva arraste minérios para os rios e procurar maneiras de descartar rejeitos sem envolver construção de barragens.

Os impactos ambientais da explotação em pedreiras são parecidos com o causado por minas a céu aberto: poluição do ar, da água dos rios devido ao depósito de sedimentos, riscos associados à construção de barragens de rejeitos etc”, afirma. 

Segundo Vinicius Alvarenga, o processo de explotação do lítio nas minas é considerado relativamente sustentável, pelo fato de não haver elevado gasto de energia para obtenção do componente.

“Na CBL, nós explotamos o lítio de uma maneira que não exige barragens, usamos energia renovável, monitoramos nossos produtos químicos, temos uma estação de tratamento de efluentes etc.”, conta.

Explotação do lítio na Bolívia

Reciclagem do lítio

Embora representem um futuro distante na realidade brasileira, os veículos elétricos já circulam em considerável número em alguns países mundo afora. Diante disso, pesquisadores vêm estudando maneiras de reaproveitar as baterias de íon lítio, uma vez que seu descarte irregular gera um forte impacto ambiental.

Já na primeira grande crise do petróleo, desencadeada no início da década de 1970, cientistas estudavam as baterias de lítio e sua possível reciclagem. A conclusão deste trabalho apontou que o custo para reciclar ainda seria muito alto, bem mais do que desenvolver um produto novo.

Porém, na medida em que as baterias fossem recicladas, aos poucos o custo iria diminuir, refletindo inclusive no preço final dos veículos. Além disso, o conteúdo das baterias de íons de lítio é menos tóxico em comparação ao de outras baterias, o que facilita a reciclagem.

Bateria de lítio

Uma das estratégias econômicas e sustentáveis para impedir esse impacto ambiental é justamente a reciclagem da bateria. Para Luis Enrique Sánchez, essa pode ser uma boa alternativa, mas é preciso buscar outras opções mais eficazes, pois envolveria um grande consumo de energia.

Vinicius Alvarenga, por sua vez, considera haver chances de a reciclagem de baterias de íon lítio tornarem-se realidade, mas ainda longe de ser concretizada. Segundo ele, “isso vai depender de como serão os anos da eletrificação, especialmente no Brasil, onde ainda mal começamos.”

A corrida pela eletrificação dos automóveis

Diante dos potenciais impactos ambientais gerados pela explotação do lítio, as montadoras de carros tentam encontrar métodos menos agressivos à natureza. A Ford, por exemplo, se comprometeu a comprar apenas materiais que garantam uma produção responsável e sustentável.

Já a General Motors (GM), por meio de sua assessoria de imprensa, declarou à nossa reportagem que planeja tornar seus produtos e operações globais neutras em carbono até 2040, comprometendo-se também a estabelecer metas baseadas na ciência para atingir os objetivos relacionados a veículos elétricos e autônomos.

Uma parceria da GM com a LG prevê o desenvolvimento e a produção em massa de baterias que vai levar a redução dos custos a um patamar inferior a 100 dólares por quilowatt-hora (US$ 100/kWh). As células utilizarão um composto químico exclusivo com baixo conteúdo de cobalto e lítio.

Está claro que, levando em conta todos os alertas, a adoção em massa dos veículos elétricos trazem avanços no espectro ambiental. Contudo, para chegarmos lá, é necessário que os governos elaborem políticas públicas de incentivo à tecnologia.

A corrida pelo lítio não termina na linha de chegada, mas seu percurso envolve a exploração dos impactos ambientais e seus rastros deixados pelo caminho. Em um cenário otimista, os veículos elétricos assumiriam protagonismo na mobilidade urbana, gerando efeitos positivos à natureza e ajudando a reduzir a poluição ao compensar as emissões de carbono que precipitam mudanças climáticas.

Além disso, tal contexto poderia oferecer uma resposta ao aumento da frota mundial de automóveis e representar um trajeto diferente para o sistema energético global. Mas a exploração do lítio ainda precisa ser minuciosamente analisadas, para que todo o processo de eletrificação dos veículos seja de fato sustentável.

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