O balconista na visão do mecânico

 O balconista na visão do mecânico

Conversamos com três mecânicos que listaram alguns requisitos necessários para você, balconista, ganhar a confiança deles.

Alguns anos atrás, em Fortaleza, o balconista Edivandro disse a seguinte frase, em entrevista à revista Balconista S/A: “O balcão é o coração da loja”.

De fato, se o coração bombeia o sangue – que circula pelo nosso organismo e permite seu funcionamento – o balcão é o lugar onde, segundo Edivandro, “começa todo o relacionamento com as pessoas”. As trocas de informações e produtos são como as trocas gasosas, cada uma, à sua maneira, essencial para a sobrevivência tanto da loja quanto do ser humano.

Como não se trata de uma aula de biologia, não perderemos tempo mostrando funções de sistemas respiratório e circulatório. O organismo em questão aqui é o comércio de autopeças. Portanto, vamos em frente e responder à questão: o que os balconistas devem fazer para mantê-lo vivo?

Conhecimento

Antes de tudo, é preciso ressaltar: qualquer relação envolvendo mais de uma parte é, no mínimo, uma via de mão dupla. Para o mecânico Lucas Veríssimo, da Oficina Maneco, em Santos (SP), “não dá para generalizar só para o balconista. O mecânico também precisa passar as informações certas na hora de buscar as peças”.

Mecânico Lucas Veríssimo
Lucas Veríssimo, mecânico da Oficina Maneco, em Santos (SP)

Em São Paulo (SP), na Oficina Veyron, Fernando Romão destaca aquele que considera o princípio básico ao balconista; segundo o mecânico, “o mínimo é ter o catálogo na mão, ler antes em vez de tentar adivinhar as coisas. Ele precisa ter agilidade e cumprir o que promete”.

Ser ágil, porém, não significa necessariamente atuar sob pressão. Trata-se apenas de conduzir os processos com maior atenção e precisão, sem atrasos. Fernando exemplifica o que o balconista não deve fazer nesses casos.

“Eu pedi um jogo de velas para um Hyundai HB20 1.0, ano 2018-2019. Daí pergunta se são 3 ou 4 cilindros, acha que são 4. Mas de 2017 para cá, são só 3 cilindros. Então, o cara queria adivinhar, em vez de procurar a informação. Perde tempo”, recorda.

E quais os principais perfis dentro da categoria balconista? A mecânica Aline Alves de Freitas, da Giroflex, em Uberlândia (MG), aponta:

“Existem dois tipos: um que quer realmente conquistar o cliente, e outro, desinteressado, que só quer efetuar a venda”, diz, fazendo as mesmas ponderações de Lucas: “Mas eu preciso dar todas as informações certas para ele”.

Mesmo que a intenção não seja conquistar ou criar um laço de amizade com o mecânico, há um elemento central para garantir a venda e mantê-las em alta frequência.

“O essencial é ter conhecimento sobre o que está vendendo. Às vezes, no mesmo tipo de carro, no mesmo ano, pode ter dois, três tipos diferentes de peça. Então, o balconista precisa se atualizar a todo momento. Segundo, a qualidade no fornecimento do material. Isso não se refere só ao balconista, mas também ao lojista, ao comprador da empresa”, afirma Lucas.

O mecânico santista aponta uma mudança fundamental sofrida no comércio de autopeças. Trata-se da combinação entre a designação de pessoas muito jovens à função de balconista e o aumento da variedade de peças, tornando as informações mais complexas, o que dificulta principalmente aqueles mais inexperientes.

“Antigamente, um trabalhador de autopeças começava lá menino, como entregador; depois, virava estoquista, ia para a expedição, dali para balconista já com um certo conhecimento. Hoje, nas autopeças daqui, 90% dos balconistas que têm conhecimento são os mais antigos. Os mais novos trabalham todos com catálogo na mão, vasculhando, pedindo ano, isso, aquilo. Mas isso eu também entendo, porque hoje existe uma variedade bem maior de peça”.

Ou seja, independentemente da época e das condições envolvidas, sem conhecimento não se chega a lugar nenhum; aliás, a falta dele impede qualquer movimento. O conhecimento é a força motriz da engrenagem, é ele quem faz circular o sangue do comércio de autopeças.

Balconista S/A indica: Tecfil

Atenção, respeito e confiança

De maneira geral, tão importante quanto saber o que fazer, é ter em mente o que não fazer. Assim, é possível ir aos poucos descartando posturas inadequadas, inclusive quando o balconista não possui conhecimento em relação a alguma peça solicitada. Afinal, como os entrevistados destacaram no início da reportagem, cabe ao mecânico, antes de tudo, passar as informações corretas, ou seja, basta acreditar no cliente, já que é dele a responsabilidade inicial.

Aline relembra um fato que demonstra a situação:

“Outro dia, pedi um filtro de combustível com numeração 60/7. O balconista olhou no catálogo e viu que o carro era modelo 2007, e 2007 era um ano de mudança, ou seja, em que o veículo sofreria alterações para entrar 2008 com peças novas. Uma delas era o filtro de combustível. Ele me vendeu o outro filtro, sendo que eu já tinha retirado do carro e passado a numeração certa. Então, quando o reparador passa a numeração, ele já sabe o que quer. São situações em que o vendedor não tem a confiança no mecânico. Muitas vezes ele quer ajudar, mas acaba atrapalhando”.

Aline também reforça a importância de se atentar às especificidades dos produtos. Por exemplo, um carro X precisa de uma mangueira X, embora exista um modelo Y que pode ser adaptado a ele. Entretanto, adaptação não quer dizer 100% de eficácia. Ainda assim, se a loja conta apenas com a peça Y em seu estoque, faz-se o possível para vendê-la, dada a necessidade de se bater metas.

“Um balconista quis te vender uma mangueira que serve, porém com as medidas um pouco diferentes. São ajustáveis, mas sem a mesma durabilidade, porque não é do mesmo material. Mas servir não quer dizer que vai dar certo. Não tem como comprar gato por lebre”, sentencia.

E como o balconista conquista, perde ou deixa de ganhar a confiança do mecânico? Uma ilustração é feita por Fernando, que compara a postura de dois balconistas de uma mesma autopeça:

“Sobre um deles, em 80% das vezes que você pede uma peça, ela vem errada ou atrasa muito para chegar. Daí eu ligo cobrando. Quando a peça chega, eu olho no papel o horário que foi emitida a nota do pedido, e ela bate com o horário em que eu liguei cobrando, ou seja, ele tinha esquecido. Já outro atendente consegue atender você e até mais outras cinco pessoas juntas. E às vezes eles fazem as mesmas perguntas. Então, eu vejo esse cara como alguém que resolve um problema. Ligo para ele e ele resolve, seja problema de garantia, seja com preço.”

Fernando Romão, mecânico da Oficina Veyron, em São Paulo (SP).
Fernando Romão, mecânico da Oficina Veyron, em São Paulo (SP).

Muito se fala em cordialidade quando o assunto é o trato entre pessoas, sobretudo no comércio. Mas essa palavra pode soar de forma estranha a um universo bastante peculiar, exalando óleo e graxa, cujas relações ocorrem tão rápida e dinamicamente. De acordo com o mecânico Lucas, isso é mero detalhe; no máximo, a cereja do bolo, desde que de modo consentido, prevalecendo o respeito dos dois lados.

“A gente é tudo ogro. Pelo menos, quando tem mais intimidade, é um xingando o outro: ‘manda isso logo, safado, canalha’, e o balconista respondendo na mesma moeda. Então, sinceramente, o que importa mesmo é a pessoa saber o que está vendendo”, conta.

Embora esse tipo de abordagem possa causar espanto a quem esteja perto, existem demonstrações sutis, enraizadas por um comportamento normalizado, capazes de impedir o tal bombeamento do sangue, causando perda de oxigênio, isto é, de clientes.

É o caso do machismo, infelizmente parte integrante da sociedade, ainda mais em um setor dominado pela presença masculina. É comum, portanto, que a mecânica Aline tenha sentido isso na pele. E uma das principais formas de manifestação se dá pela desconfiança.

“Muitos já me perguntaram se eu tinha certeza daquilo que eu estava pedindo. Uma mulher no setor automotivo não pode ser espanto”, desabafa.

Como consequência, até o preço deixa de ser prioridade na hora de escolher onde comprar as autopeças; afinal, nesse caso, o custo gerado pelo desrespeito geralmente é maior.

“Já tenho alguns lugares fixos. Não é o melhor preço da cidade, mas é o melhor atendimento da cidade. Um mecânico bem atendido consegue não só uma venda, mas também um amigo, uma relação de fidelidade. O melhor amigo do balconista é o mecânico e o reparador. E não a venda em si.”, conta Aline.

A responsabilidade da indústria

As lojas de autopeças costumam ter catálogos informando as características dos vários produtos do setor; consultar esse livro, portanto, é essencial.

Porém, nos últimos anos, em função do desenfreado avanço tecnológico, os catálogos se converteram para o modelo digital. Quando um mecânico solicita a peça, o balconista vai ao computador. O procedimento, em parte, torna-se mais ágil, poupando inclusive o deslocamento do comprador até a loja, já que as informações podem ser trocadas via Whatsapp.

“Nem sempre a gente vai à loja; a gente manda por telefone, Whatsapp, e isso tudo mantém um vínculo, e é o que eu acho que é mais importante para os balconistas”, afirma Lucas.

Por outro lado, segundo Aline, a tecnologia pode retardar o processo, sobretudo quando a compra é realizada presencialmente. Ela destaca também que algumas empresas deixaram de fornecer o catálogo físico.

“Seria fundamental que a indústria automobilística voltasse a imprimir mais catálogos de papel para distribuí-los aos balconistas. Até ligar o computador, abrir o catálogo virtual, pesquisar a peça que o cliente precisa, já se gastou muito tempo”.

Tudo isso, segundo a mecânica, compõe uma cadeia de elementos, muito maior do que a simples relação da sua categoria com os vendedores. Assim, é preciso iniciativa e respaldo lá do topo, de modo a evitar que a “bucha” recaia sempre sobre quem está atrás do balcão. Ao fim e ao cabo, uma coisa puxa a outra.

Aline Alves de Freitas, mecânica da Oficina Giroflex, em Uberlândia (MG).
Aline Alves de Freitas, mecânica da Oficina Giroflex, em Uberlândia (MG).

“Se tivessem mais cursos de capacitação, maior investimento do setor automotivo, seria mais fácil e ágil tanto para atender o mecânico, como para bater a meta de vendas no fim do mês”, propõe Aline.

Outro fator apontado pela mineira é a queima de etapas, geralmente fruto da falta de informação. Em algumas ocasiões, quando há problema no veículo, o motorista procura uma autopeça antes de consultar uma oficina mecânica. Ainda que isso às vezes possa funcionar, significando uma boa economia de tempo, não se trata da opção recomendada.

“O certo é o cliente levar primeiro no reparador para ver o que está acontecendo, mas muitas vezes ele vai direto à autopeça; lá, o balconista vende – por necessidade de bater meta – produtos que o próprio cliente depois instala no carro, e não funciona”.

Aline também destaca o fato de as autopeças não terem preço fixo em seus produtos, apesar de a lei determinar que assim seja. Segundo ela, diversas pessoas podem ligar para o mesmo balconista para solicitar a mesma peça, e esse produto ser vendido por valores diferentes. Isso porque alguns locais costumam privilegiar clientes que frequentam a loja há mais tempo.

“Quanto mais tempo ele tiver como cliente, mais desconto tem. Hoje em dia, é um leilão. São vários fatores em que o próprio balconista é tachado, e muitas vezes a culpa nem é dele. A culpa é do setor automotivo e da própria autopeça”, arremata.

Todos no mesmo barco

Se o balcão é o coração da loja, todos os órgãos devem estar coordenados, em harmonia, para garantir que o organismo do setor automotivo funcione.

Diante da situação exposta, repleta de óleo na pista, Aline só enxerga um único caminho:

“Balconista, mecânico, setor automotivo… todos precisam se unir”.

Esta reportagem também encontra-se disponível na Revista Balconista S/A – Edição 28. Leia o material completo!

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