Google das Autopeças
Conheça Ana Paula, matemática, 47 anos, 30 deles no mundo das autopeças, enfrentando o machismo predominante no setor e tornando-se referência para sua classe.
Nascida em Bebedouro (SP), Ana Paula Ortiz foi ainda criança para Mogi Guaçu, também no interior paulista, onde não tardou a ingressar no mundo das autopeças.
Desde que entrou para o mercado de trabalho, aos 17 anos, só atuou em uma frente:
“Não sei o que é trabalhar com outra coisa. Minha vida é peça”, afirma.
Atingidos 30 anos de profissão, a atual responsável pelas compras e abastecimento da Autopeças Lauto, além de conquistar a clientela, serve de inspiração para quem trabalha à sua volta, transmitindo seu vasto conhecimento. Não à toa, ela é chamada internamente de “Google das Autopeças”.
“Quando eu era criança, nunca gostei de brincar de boneca. Meus brinquedos preferidos eram trator e caminhão. Também tinha carrinho, avião… Acho que era o destino, né?”
Mas havia outra paixão na vida de Ana Paula: os números. Assim, quando já trabalhava como auxiliar de escritório em loja de autopeças, estudou e formou-se em Matemática. Os números ainda ocupam grande espaço em seu coração; porém, nessa disputa de paixões, as autopeças obtiveram maior contagem.
No entanto, uma complementava a outra, como relembra Ana Paula:
“Há muito tempo, a gente precificava os produtos na mão. Então, eu calculava o preço de item a item para colocar no balcão. Como eu estudava Matemática, fiquei essa função. Pegava o valor bruto e calculava os múltiplos até chegar ao preço final da venda.”
Sobre preço, havia um a se pagar por essa escolha, infelizmente. Falar de mulher no setor automotivo significa abordar o machismo em suas formas mais puras. Ana Paula iniciou sua trajetória nas autopeças pelas televendas, mas não apenas por ser de ser uma mera iniciante na época.
Na realidade, foi colocada ali para evitar desconfiança dos consumidores que se deparariam com uma mulher no balcão.
“Mas, mesmo nas televendas, o preconceito sempre foi muito grande, porque os homens não aceitavam uma mulher atendendo, dizendo ‘não quero falar com você, me chama o vendedor’. Mas fui provando que isso não existe e ganhando respeito dos clientes. Na época, estudava catálogos, prestava atenção não só em vendas, mas também no comprador da loja”, conta.
Ana Paula estudava catálogos e prestava atenção não apenas nas vendas, mas também no comprador, para identificar as diferenças entre cada um e planejar as melhores abordagens às diversas situações quando surgisse a oportunidade.
Naturalmente, ela veio. Entretanto, com novas duchas de água fria.
“Quantas vezes, no balcão, estava eu e o motoboy, que não entendia nada de peça… E eu ia abordar o cliente, que dizia: ‘Não. Eu quero falar com ele’. Só porque era homem; e eu, mulher.”
Felizmente, por vezes, o tempo supera a falta de respeito e faz prevalecer a capacidade. No balcão, Ana Paula seguiu a trilha da evolução para além do conhecimento técnico.
“Não aceitava falar não quando faltava alguma mercadoria. Então, eu ligava em autopeças concorrentes para saber se tinha peça. Eu queria servir o cliente. E com esse esforço, hoje eu colho frutos. Muitas pessoas me ajudaram na época, vendedores experientes. Sou muito grata. E procuro criar laços com as pessoas.”
“Autopeças é um ramo que a cada dia tem uma nova informação. A cada dia é um aprendizado. Não existe vendedor completo. Hoje, estamos com frota de carros muito grande; então, muda-se muito. Vender peça não é vender sapato ou roupa.”
E o tempo de estrada proporcionou a Ana Paula uma série de descobertas, por sua vez compartilhadas, dando origem ao seu apelido.
“Existem catálogos eletrônicos, existe o Google, mas também tem alguns macetes, conhecimentos que a gente adquire ao longo dos anos pela experiência. Então, por isso me chamam de Google”, relata.
Experiência, porém, não significa saber tudo; o errado é insistir no erro, negando-se ao aprendizado. E ela faz questão de reforçar esse aspecto aos mais jovens, embora nem sempre funcione.
“Se vou vender uma peça que nunca tinha vendido antes, eu peço ajuda para um parceiro, até ligo na fábrica; depois, anoto a informação pra nunca mais perder. Eu ensino isso a alguns vendedores, mas, infelizmente, hoje, eles não guardam e voltam a perguntar a mesma coisa. Então, fica meu recado: eu vou te falar, mas presta atenção!”
Em contrapartida, Ana Paula tornou-se uma verdadeira mentora para duas balconistas da Lauto: Marcia e Andrea – esta última, inclusive, já concedeu entrevista ao site Balconista S/A, na qual havia mencionado o “Google das Autopeças”. Daí, nasceu nossa curiosidade em colocá-la nestas páginas.
“Elas são ótimas, minhas “discípulas”. Perguntam, querem aprender, fazem um atendimento top. Estamos provando que não precisa ser homem para entender de carro”, sentencia.
Ana Paula cita outro exemplo, recente, para ilustrar o cotidiano dinâmico no mundo das autopeças. É possível constatar que, não importa quem seja a fonte entrevistada, vamos sempre encontrar um (para usar um termo matemático) denominador comum: a informação, pedra de toque do bom profissional.
“O mercado de autopeças é muito complexo. Numa mesma semana, meu diretor me deu um orçamento de um Fusca 67 para eu providenciar as peças para o cliente, e outro do Jeep Compass, desses mais novos. Só para você entender, de pulo, até onde a gente tem que abranger. E entre os dois, existem tantos outros modelos. Por isso que a informação é a base de tudo.”
E quando a informação se une à paixão, temos a receita perfeita. Ana Paula é uma pessoa realizada. Casada há 20 anos, mãe de uma filha de 18 anos, e de um filho de 11, ela conseguiu êxito nas frentes profissional e pessoal.
“Quem gosta de peça, de carro, está no sangue. Corre na veia. Minha maior alegria é quando chega um catálogo novo, quando a gente entra com uma linha nova na loja, e o desafio de o cliente pedir uma peça que não temos e eu vou atrás. Contato daqui, contato de lá… Amo o que eu faço. Por isso, sai tão bem feito.”
Esta reportagem também encontra-se disponível na Revista Balconista S/A – Edição 30. Leia o material completo!
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