Jeep em zona de guerra

 Jeep em zona de guerra

Em uma pequena oficina na Zona Sul de São Paulo há um pedaço da história do Brasil, e do mundo. Angelo Meliani, de 55 anos, comanda um centro de restauração de veículos 4×4 utilitários e militares – com especialidade em Jeeps militares.

Um espaço grande o suficiente para caber um Hummer americano, que esteve presente na Guerra do Golfo (1990-1991), dois Jeeps da Segunda Guerra e cinco 4×4 antigos dividem a garagem. Meliani possui dois 4×4 militares, ambos da Jeep, um de 1942 e outro de 1945.

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Engana-se quem pensa que Angelo é um ex-militar que gosta de relembrar os bons anos de quartel. Sua paixão pelos veículos militares foi herdada de seu progenitor: “o sonho do meu pai era ter um Jeep 1942.”

“Aqui onde nós moramos é um bairro muito antigo, então havia o Seu Neco aqui na nossa rua, ele tinha uma criação de pombos correios e todo 7 de Setembro vinha um jipinho e com caminhão militar recolher as pombas para soltar no evento. Meu pai se apaixonou pelo carro e daí então ele insistiu até comprar um [veículo] do exército. Ele comprou esse jipe reformou e foi o carro da nossa família por muitos anos. Aí segui a linha dele também, falei ‘quero também ter um jipe e aí eu comprei um e depois comprei esse outro e assim foi”.

Medalha de honra

O primeiro carro a ser apresentado foi o Jeep Willys MB americano de 1942. Com um verde escuro, o veículo possui um motor GM de quatro cilindros 151, 5 marchas e foi acrescentado freio a disco nas quatro rodas, para garantir uma maior segurança.

“Ele é meio gastão, não é um carro econômico e naquela época os carros eram muito travados, tinham dois eixos e reduzida. Ele não é um veículo que tem economia de combustível, mas é um carro que tem muita força, não deixa você na mão, ele reboca [outros veículos] quando precisa e não quebra. Então ele atende aos meus requisitos né”, conta Angelo.

Seu primeiro encontro com ele, foi quase uma surpresa, aconteceu há 23 anos. Meliani conta que queria um carro igual o de seu pai – um 4×4 militar –, então um colega ofereceu um Jeep barato, mas naquele momento ele tinha uma viagem para o litoral. “Quando eu cheguei da viagem de Ubatuba tomei um susto, estava minha mãe, minha irmã e meu pai na rua me esperando para chegar, eu falei ‘aconteceu alguma coisa’ chego lá eles compraram o Jeep para mim. Fui ver e assim começou a minha história com o jipinho né”, relembra.

A restauração demorou alguns anos, ele conta que o mais difícil foi encontrar os itens militares, “acho que tem mais história minha procurando peças do carro que com o próprio carro”, conta Angelo. Ele relembra de que para achar um rádio militar ele teve que entrar em um galinheiro e lutar contra uma galinha para conseguir pegar uns componentes.

“Eu já viajei muito para procurar peças, suporte do fuzil, suporte de rádio e outros, você tá montando todo o carro e vê que faltou um suportezinho aí você tem que viajar. Uma pessoa fala que tem, que tá em certo lugar, já tive que me meter em cada uma. Uma vez fui parar dentro de um galinheiro, eu tive que brigar com a galinha para tirar os ovos para pegar o rádio de lá, aí o galinha queria me pegar, mas eu consegui o rádio, mas olha tem muita história aí”, conta Meliani em meio de risadas.

Bravura durante a batalha

O segundo carro também é um Jeep Willys MB, porém é de 1945. Esse veículo possui uma história mais peculiar que a do outro. Existe uma suspeita, por parte do Angelo, que o automóvel esteve em campo de batalha no final do conflito, com base nos documentos.

Um dos maiores charmes do modelo é sua pintura, que é a mesma da época da segunda guerra, ou seja, ele nunca foi pintado. Os pequenos pontos de ferrugem dão o aspecto de robustez ao veículo, fator que colocou Angelo em um dilema, que é manter a pintura original ou fazer uma nova.

O veículo era de um amigo, ele queria vender o carro, mas ninguém fechava negócio. Um dia Angelo e disse “se ninguém comprar de você fala para mim que eu vou e compro o jipe”. Na verdade “eu não queria comprar o jipe eu queria comprar as peças que tinha, para você ter uma ideia havia um caminhão de peças e isso que me interessava”, conta Meliani.

Depois de um tempo “o cara me liga fala ‘ vem buscar’ aí eu tomei um susto, quase tive um treco né. Aí fui lá buscar o jipe, trouxe todas as peças. Ele liga para saber do Jeep todo ano, atualmente ele deve ter uns 85 anos. Do jeito que ele me entregou o veículo está, não teve muitas modificações eu só completei o Jeep [com as peças que faltava]”, relembra.

O veículo veio quase completo, Angelo conta que precisou apenas adicionar algumas coisas “ele não tinha rádio, coloquei o rádio, ele não tinha a caixinha de medicamento que fica atrás do painel, recuperei todos os reloginhos. Ele, quando veio, não tinha freio, então fiz todo o freio dele, tirei todos os vazamentos, coloquei essa peça na frente, aquele vaso de expansão que tem na grade não estava funcionando coloquei para funcionar, o chicote veio dos Estados Unidos e isso foi a última coisa que eu coloquei nele”.

As batalhas na Itália

Durante a Grande Guerra, o Brasil enviou um contingente de 25 mil homens, conhecidos como a Força Expedicionária Brasileira (FEB). Os soldados foram equipados com armas americanas e com o fim da guerra, os brasileiros trouxeram alguns veículos doados pelos EUA.

Esses carros foram catalogados e distribuídos pelo país, Angelo procurou saber se o veículo dele foi um desses, mas infelizmente a lista dos automóveis está incompleta. De acordo com os documentos existentes do Jeep Willys MB de 1945, existem chances do veículo ter vindo dos campos de batalhas italianos.

Além do valor histórico nacional do placa preta de Angelo Meliani, seus jipes são lembranças de uma época sombria da humanidade. Eles são um lembrete do que pode acontecer caso um regime autoritário e preconceituoso chegue ao poder, eles são um lembrete da guerra.

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