Maratona nos dois lados do balcão

 Maratona nos dois lados do balcão

Durante a Primeira Guerra Médica, no ano de 490 a.C., soldados de Atenas partiram para as planícies de Marathónas, para enfrentar os persas. Para evitar que o povo ateniense sofressem nas mãos dos inimigos a ordem era que caso não tivessem notícias em 24 horas, as mulheres deveriam matar seus filhos e, em seguida, cometer suicídio.

Durante a batalha, o general grego Milcíades pediu ao seu melhor corredor, o soldado e atleta Fidípides, que buscasse ajuda em Esparta e outras cidades gregas, além de ter lutado. No final o exército ateniense obteve vitória, para evitar o sacrifício, Fidípides teve a missão de levar a noticia até a cidade de Atenas, ele correu cerca de 40 km, chegou a cidade e conseguiu dizer apenas “vencemos” antes de cair morto.

Graças ao sacrifício de Fidípides, 2400 anos depois ele foi homenageado, quando aconteceu a criação dos primeiro Jogos Olímpicos da Era Moderna, em 1896. A modalidade se espalhou pelo mundo e se tornou a paixão de Sidney Araújo Lima, de 61 anos, comprador e vendedor na Karol Autopeças, zona leste de São Paulo.

“Faz seis anos que comecei a correr, eu era sedentário e minha cardiologista descobriu que eu poderia sofrer um infarto a qualquer momento. Naquele instante eu falei para ela que ia mudar e como eu tenho uma filha que corria, naquela época, ela me deu algumas dicas.”

Como o processo natural, Sidney começou caminhando, depois andando rápido e finalmente correndo. Dois meses depois que começou a treinar, ele fez a primeira corrida teste de 5 quilômetros. “Quatro meses depois eu fiz uma prova de 6, cinco meses depois eu fiz uma prova de 10 e ai me apaixonei, foi uma endorfina em cima de endorfina e comecei a correr e correr. Virei ultramaratonista em 2018, consegui fazer duas ultramaratonas e nove maratonas.”

Com 61 anos de idade e com a energia de um soldado ateniense, Sidney treina três vezes por semana, em percursos que variam de 12 a 21 quilômetros por treino, em ruas e parques.

O esporte e o balcão 

Com mais de 90 medalhas, Sidney busca sempre participar de corridas diferentes e seu sonho é disputar a Maratona de Boston. “Correr em Boston é o sonho de todo corredor, mas eu sei que não vou conseguir, por causa do índice e como eu não estou forçando essa coisa de tempo, eu sei que não vou conseguir”, diz com a voz embargada.

Além de Boston, ele sonha em disputar outras maratonas internacionais, como em Buenos Aires, na Argentina, Paris, na Franca, ou em Nova York, nos EUA. “Quando eu gosto da corrida eu corro e volto a correr também, mas eu evito ficar repetindo, porque as medalhas vão ficar todas iguais.”

A correria da vida de Sidney vai além das ruas e competições, elas vão também atrás do balcão. Apesar de possuir 61 anos, o corredor se sente jovem, como se tivesse 21 anos, cheio de energia e vigor.

“É o que eu digo, me considero uma pessoa jovem, eu não consigo ficar velho. Eu fico aqui, eu fico atento, eu to ligado, quero ajudar, quero participar, quero vender e ajudar o amigo que está vendendo. Eu sou participativo, sou uma pessoa que gosta de estar no meio.”

“É uma maratona, o balcão é uma maratona”

Esperteza, agilidade, confiança e determinação são características que, segundo Sidney, andam lado a lado, tanto no esporte quanto no trabalho. “Quando estou correndo, eu me lembro das coisas do trabalho, eu estou interligado, se eu estou aqui (no balcão), estou pensando na corrida que vou fazer, na maratona que vou competir, quando vai ser, fico olhando o calendário e penso nos treinos.”

Sidney tenta incentivar os colegas de trabalho a correr e até consegue convencer alguns clientes. Não é uma tarefa tão simples, mas já conseguiu levar algumas pessoas para o mundo da corrida.

As corridas e a vida pessoal

“Com 60 dias, eu fui na minha médica cardiologista, levei minha medalha e falei ‘olha ai doutora, eu voltei’, ela fez os exames e disse ‘continue’. Quando fui fazer minha primeira maratona, pedi para ela fazer uma bateria de exames e foi um dos melhores momentos da minha vida, ela viu os resultados e disse ‘você está pronto para fazer até uma ultramaratona’, isso para mim foi chave de ouro.”

Ele conta que a corrida mudou muitas coisas em sua vida, principalmente quando se fala em foco e determinação. “Seu eu era feliz antes, agora sou muito mais. Vou ser sincero, a corrida é um tesão, não tem o que dizer, é maravilhoso!”

Sidney treina junto com sua filha e já chegou a correr ao lado dela, mas por enquanto ela corre apenas meia maratonas, porém sonha em disputar ao lado do pai. 

Há seis anos ele corre, quase todo dia, mas conta que se tivesse descoberto as corridas quando jovem ele seria uma pessoa completamente diferente hoje em dia. “Se eu tivesse descoberto a corrida antes, eu acredito não estaria aqui no balcão. Eu estaria aposentado pela carreira de atleta.”

Nascido na Bahia, o balconista corredor chegou em São Paulo com 14 anos de idade, ele teve a honra de disputar a primeira maratona da cidade de Salvador, em 2017. Apesar dos vínculos com a cidade natal, toda vida de Sidney está em São Paulo e não pensa em sair tão cedo, pois criou raízes na metrópole.

Ele viveu o auge dos anos 70 em São Paulo, viu a ascensão do rock na cidade. Desde quando era adolescente já usava barba, jaqueta de couro e calça boca de sino, o ultimo item já saiu do guarda roupas há anos. “Vivi uma época de ouro, vocês não viveram e não sabem o prazer de viver os anos 70 como eu vivi.”

Sidney vê seu futuro na estrada, uma de suas paixões, além da corrida, do rock e da cerveja artesanal, são as viagens. “Eu me vejo no futuro aposentado e vivendo a vida mais intensamente, viajar, amo viajar, amo pegar a estrada, ver a paisagem e tirar fotos do céu”. No caminho não pode faltar o rock clássico de Deep Purpe, Yes, Queen, Brian Adams, Elton Jhon, U2, Rolling Stones, Tina Turner e mais uma dezena. 

Todo o alto astral do Sidney vem de sua “loucura”, ele se define como o lobo das corridas. “Quem é Sidney? Bom, Sidney é o lobo das corridas, é o cara que ama a vida, que é apaixonado e quer viver todos os momentos únicos, sejam eles tristes ou felizes, eu quero viver! Viver! Porque eu não sei o dia de amanhã, então eu quero viver.”

Apesar de não existir registros de como era a personalidade de Fidípides, ele tem muito em comum com Sidney. Ambos, com 2500 anos de diferença, são corredores que não desistem de seus objetivos, de suas linhas de chegada. Talvez se Fidípides nascesse hoje ele se chamaria Sidney.

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