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“Nós somos a linha de frente”

“Antes de começar a fotografar, preciso ir lá trocar de roupa e vestir a camisa do campeão”, diz o balconista Edson Martins, saindo de trás do balcão da Castro Autopeças, pouco antes do final do expediente. Minutos depois, o Carioca – como é conhecido pelos amigos da loja -, volta vestindo uma camisa do Corinthians. “Agora sim, estou pronto. Podem começar”, explica, de bom humor, voltando para o atendimento de alguns poucos clientes que ainda restam no final de tarde.

Se as fotos começam agora, a história de Edson atrás do balcão começou há muito tempo. Foi no ano de 1983, aos 24 anos, que ele resolveu experimentar. Recém-saído da Aeronáutica, o Carioca ­– que não nasceu nem nunca morou no Rio de Janeiro – foi seguir os passos de dois de seus irmãos e entrou para a Autopeças Maripar, no bairro do Brás. Como muitos de seus colegas, começou organizando partes do estoque, saindo na rua para buscar peças, até chegar ao balcão. “Aí você vai tomando gosto, não é? O tempo todo você se atualiza sobre carros, o tempo todo você está em contato com o público, ouvindo histórias”, conta. Daí para frente, nunca mais saiu do ramo.

“Nós somos a linha de frente, quem dá a cara para bater. A gente precisa ter mais autonomia, sentir que podemos dar sugestões e, principalmente, tomar decisões”.

Hoje, o Carioca trabalha na terceira loja de toda sua carreira como vendedor, depois de passar também pela Tóquio Autopeças. “Nunca fiquei um tempo parado. Da primeira vez que mudei de emprego, fiquei só uma semana. Da segunda, porque era fim de ano, pouco mais de um mês”, diz o vendedor, sem deixar de ressaltar: “Isso é sinal de trabalho bem feito, de um bom relacionamento com os clientes”.

Nossa conversa se interrompe por alguns instantes com o toque de seu celular: o Hino do Corinthians, é claro. “Era um rapaz lá da loja, pediu para eu não esquecer de dizer que a classe precisa ser mais unida e de que a gente precisa receber mais apoio, principalmente do sindicato”. Para Edson, e também para seus colegas, os balconistas deveriam receber um acompanhamento mais de perto, ter acesso à cursos e palestras e, principalmente, mais autonomia.

“Nós somos a linha de frente, quem dá a cara para bater. A gente precisa ter mais autonomia, sentir que podemos dar sugestões e, principalmente, tomar decisões”. Edson diz isso porque, certa vez, uma pessoa com cargo superior na loja fez exatamente o oposto. “Eu sugeri algumas mudanças no estoque, para a gente deixar as peças mais pesadas na parte de baixo da loja e evitar subir a escada com peso o tempo todo”. Ótima ideia, não é? Não foi bem assim para o patrão de Edson na época, que disse: “Se um dia você tiver uma autopeça, você dá opinião”.

“A verdade é que a gente é apaixonado por esse desafio de todo dia. Por mais difícil que seja, nosso objetivo é sempre um só: resolver problema”.

Para o vendedor, que tem mais de 30 anos de carreira, isso é o que afasta os mais jovens da profissão. Ele explica que, um tempo atrás, o balconista era considerado uma das peças mais importantes da loja e sentia esse poder. Hoje, tudo se complicou e até para fazer a troca de uma peça o vendedor passar por vários obstáculos. “Essa é a parte mais difícil de trabalhar no balcão: a burocracia. Tudo tem que passar por um monte de gente, antes de resolver o problema do cliente, que é o seu papel. Antigamente, se uma peça dava defeito, você falava direto com o fornecedor e ele trazia uma nova. Cabia somente ao balconista resolver o problema”, relembra.

Acontece que essa burocracia que o Edson se refere veio justamente para isso: evitar problemas. Essas etapas foram pensadas para garantir que o consumidor e a empresa fabricante não sofressem nenhum tipo de danos depois da troca. Nessa caso, falta um pouco mais de comunicação na cadeia das vendas, de modo que o consumidor conheça as etapas de troca para respeitar os prazos e manter uma boa relação com o balconista. “A verdade é que a gente é apaixonado por esse desafio de todo dia. Por mais difícil que seja, nosso objetivo é sempre um só: resolver problema”.

Mas depois do fim do expediente, a última coisa que o Edson pretende falar é sobre problema. Por volta das oito da noite, o Carioca está sentado, tomando uma Coca-Cola, comendo um sanduíche a espera da sessão de fotos. Fala como quem já não tem mais pressa, como quem já cumpriu sua missão. Exceto uma, que quase passa despercebida, não fosse o toque do telefone que interrompe a conversa por um instante. “É minha mulher. Ainda preciso passar no mercado”, conta o vendedor cujo sonho, para os próximos anos, é um só: ficar tranquilo.

 

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