O meu lugar é no balcão

 O meu lugar é no balcão

“Bom dia!” É assim, com um jeito carismático, que há anos Juliana recepciona os clientes que chegam a Auto Peças Feijó, localizada em São Sebastião, região metropolitana de Porto Alegre. Ainda que, em muitas das vezes, esperasse outro “Bom dia” como resposta, não era o que geralmente escutava. “O seu lugar não é no fogão?”, indagava boa parte dos clientes que por ali passava.

“O seu lugar não é no fogão?”

Ao longo dos seus 18 anos no balcão da Auto Peças Feijó, Juliana Karina Martins de Oliveira, de 44 anos, passou por diversas áreas de uma autopeça. “Já fui caixa, estoque, financeiro”, relembra. Mas, apesar de todas as experiências, o seu sonho sempre foi trabalhar no balcão. “Eu já tinha trabalhado com atendimento ao cliente, mas nunca com peças de carro. Foi então que meu marido e meu cunhado, que são os donos da empresa, decidiram me colocar como caixa”.

Vendedora sorrindo fundo branco

Ainda que soubesse do seu potencial, Juliana precisava vencer um pensamento um tanto quanto retrógrado da época: de que uma mulher pode entender de carro. “Em 1999, quando eu comecei, isso era muito regrado. Mulher sempre ficaria no caixa e homem sempre ficaria no balcão. No entanto, ainda assim eu via que mesmo todos os balconistas atendendo bem, eles não atendiam tão bem quanto uma mulher”.

Devido a sua experiência com atendimento, ela sabia que era preciso dar um toque a mais na recepção para fidelizar o atendimento. “Um ‘bom dia’ e um ‘boa tarde’, não são a mesma coisa que um ‘oi meu’ ou um ‘e aí amigão’. Eu via que era preciso cordialidade. Era preciso receber as pessoas com ‘bom dia’, ‘boa tarde’ e ainda perguntar o nome.” Juliana sabia que precisava de uma chance para mostrar o seu potencial.

“Eu entendi que estávamos em um momento delicado na Auto Peças Feijó e não podíamos ter aquela imensa frota de balconistas. Quando um homem surgiu pedindo emprego para caixa, eu logo agarrei a chance.” Em uma conversa com o seu marido e o seu cunhado, propôs a contratação do funcionário e sua migração para o balcão. Mas, ainda que aceita, ela logo trouxe um novo desafio a Juliana: o de aprender cada uma das peças automotivas.

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Com a ajuda de catálogos, ela começou a estudar. Desceu pro estoque para sentir cada uma das peças, abriu o capô do próprio carro para ver onde cada uma ficava e gentilmente pediu ajuda de outros funcionários para entender minuciosamente o processo de venda. Logo, em meses, adquiriu o conhecimento que muitos balconistas levam anos para conseguir. Embora parecesse muito, não era o suficiente. Era preciso ir além, e provar para o público que realmente sabia tudo.

“Eu tinha clientes que realmente chegavam no balcão e diziam ‘O teu lugar não é lavando roupa?’, e eu dizia ‘Não, o meu lugar é no balcão.” Muitos, inclusive, a desafiavam a provar os seus conhecimentos. Com esforço e determinação, ela sempre o provava. “Às vezes eu não sabia mesmo, porque estava começando. Mas não abaixava a cabeça por conta disso. Saía do balcão e ia no carro. Eu sabia que olhando o carro eu saberia resolver o problema”.

Mesmo vencendo essas batalhas diárias, ela sofria por saber que grande parte das reações eram frutos da discriminação. Entretanto, ela não deixava se abalar. Guardava a dor pra si e deixava o choro em casa. No outro dia, reerguia-se para os próximos desafios. “Eu comecei a contornar as situações por meio da confiança e da fidelização de clientes. Se um cliente faz uma compra de 400 reais e pede um brinde, eu vou lá e dou um brinde. Eu prefiro pagar por isso do que perdê-lo pra outro lugar”.

“Meu desejo agora é ensinar mais mulheres para que elas fiquem aqui comigo.”

Como consequência, atualmente Juliana possui a sua própria cartela de clientes. Ao invés de ter que passá-los para outros vendedores por não quererem ser atendidos por uma mulher, hoje ela ouve seus companheiros de balcão dizer “aquela pessoa quer ser atendida por você.” Para ela, esse é o seu maior triunfo. “Eu me sinto vitoriosa. Ao longo desses 18 anos, meu maior prazer é atender bem”, conta.

Apesar da conquista, ela ainda não considera a batalha ganha. Ela sabe que a luta está só no começo. “Eu estou há 18 anos aqui e desde então sou a única mulher. Meu desejo agora é ensinar mais mulheres para que elas fiquem aqui comigo. Todos somos pessoas iguais e temos o direito de trabalhar, não é mesmo ?”.

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