Um balcão em Olinda

Ivanildo Lopes da Silva, de 61 anos, era um funcionário estabelecido de um banco importante no nordeste do Brasil. Já trabalhava a mais de uma década com esse emprego que, aos olhos dele e aos olhos de muitos, era um trabalho confortável. Cômodo. Ele jamais imaginou que pediria demissão um dia. Que deixaria o trabalho no escritório para mergulhar num novo negócio: uma loja de autopeças.

O desafio partiu do irmão mais velho, seu guru, o Vicente, que já trabalhava numa autopeças, onde tinha uma pequena participação. Só que ele queria mais. Pensava em abrir o próprio negócio. O primeiro a receber o convite para e empreitada, claro, foi seu irmão Ivan. “Quando eu disse para o meu pai sobre a minha saída do banco, e da minha sociedade com o Vicente, ele ficou cético. Eu já tinha um certo tempo de banco e aquilo era uma aventura. Tinha muitas lojas fechando, não era uma época fácil”, explica Ivan.

Apesar das dúvidas, foi o pai, Seu Ivo Lopes, o grande braço direito da dupla nos primeiros períodos da loja. Seu Ivo, que era funcionário público e não muito bom motorista, botou a mão na massa para ajudar seus filhos na construção do novo sonho. À noite, ele trabalhava em seu emprego fixo. Durante o dia, passava todo o tempo na loja, exercendo as mais variadas funções.

“Ele arrumava as coisas com a gente. As prateleiras, as peças. Botava até umas caixas vazia para dar a impressão de que a gente já tinha bom estoque”, conta o Ivan, que ri ao lembrar do jeito do pai. Com pouco mais de 2 anos de loja, já com um movimento bem maior e mais funcionários, a família Lopes perdeu seu braço direito. Ivan conta que esse foi o primeiro grande baque que eles tiveram. A primeira grande dificuldade. 

“De alguma forma isso nos deu força e a necessidade de brigar mais pelo que queríamos. Eu e meu irmão, sendo ele o mais velho, passaríamos a ter mais responsabilidade em gerir a família. Superamos isso e começar a abrir nossas filiais, compramos o imóvel. Tenho certeza que isso tem o dedo do nosso pai”.

De lá para cá, Ivan e Vicente exerceram diversas funções na loja e viram muita coisa mudar. Nos anos 1980, com apenas quatro montadoras no mercado, era fácil de manter o slogan da loja: “Vicente Autopeças – A Mais completa”. Ivan explica que, ao contrário de outros concorrentes, ele e o irmão se preocupavam em ter tudo. Desde as peças pequenas, como parafusos, até os elementos mais importantes de um carro. Hoje, é praticamente impossível ter todos os componentes para abastecer as dezenas de montadoras que existem no Brasil. Por isso, a função do balconista tem mudado bastante.

“Hoje você precisa dar outro atendimento ao cliente. Eles são muito mais exigentes, bem informados. É preciso se adaptar ao linguajar de cada um. É preciso ser mais próximo”, resume Ivan. O seu método, segundo ele, já entra em ação desde o primeiro contato. “No cadastro do cliente eu já pergunto até que time ele torce. Assim, quando vou telefonar para ele para pedir um feedback, eu converso, me aproximo. Digo ‘e aí, rapaz, tricolor venceu’, porque eu sou tricolor também. A nossa mentalidade é de que, aqui, todo mundo é vendedor. Desde o balconista até o pessoal da limpeza, o mecânico. Estamos todos vendendo a imagem da loja”.

Em outras palavras, Ivan acredita que, hoje, o bom relacionamento é uma das qualidades mais importantes. Tanto ou mais que o conhecimento. “Ninguém precisa saber de tudo, só precisa ter o compromisso em resolver. O perfil do balconista mudou nesse sentido: tem que ser mais próximo e conhecer melhor o cliente.”

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Se o mercado e a função do balconista tem mudado drasticamente, a vida e os prazeres do Ivan vem se mantendo mais ou menos os mesmos. Seu primeiro carro na vida foi um Fusca. Hoje, o seu carro também é um Fusca, não o mesmo, mas um modelo 1964, verde-amazonas, com bancos de couro em cores claras, volante e rodas originais. Faz parte de uma confraria com amigos de infância e sai regularmente para encontrar uns bons bares para tomar uma cerveja, comer uma carne de bode.

Torcedor do Santa Cruz e amante dos carros antigos, Ivan hoje se considera um homem realizado. Tem dois filhos, um neto, é sócio de uma loja respeitada em Olinda e Recife e conhece muito sobre carros. Apesar disso, Ivan ainda acha que tem muito a aprender e tem prazer nisso. Durante todo o momento destaca a importância que o irmão Vicente tem em sua vida. Mas também fica clara a importância dele na vida do irmão mais velho. “Eu tenho um maestro ao meu lado, meu guru, meu incentivador que sempre teve muito talento com isso. Você precisa sempre se espelhar em quem conhece. Se é bom, eu tenho que copiá-lo”, completa. 

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