Balconista Por Um Dia

 Balconista Por Um Dia

Para viver na pele um dia da profissão de balconista, eu, Guilherme Torres, jornalista da revista Balconista S/A, decidi conferir de perto como é uma tarde de trabalho atrás do balcão. Quem me ajudou foi o José Carlos, profissional com anos de experiência. Confira:

Logo quando cheguei na Auto Peça MerceVolks, às 8h da manhã, José Carlos, dono da loja, me mostrou que o dia seria corrido. “Vem, vamos tomar um cafezinho rápido para eu já te mostrar como funciona a loja”. Sem nem perceber, em menos de cinco minutos eu já estava dentro do enorme estoque da autopeça. “Aqui é assim, as coisas estão mais ou menos guardadas no mesmo lugar desde 1972, o negócio é ir decorando. Até tem no sistema da loja a localização das peças, mas se souber de cabeça é mais fácil e rápido”, explica José. Depois de me mostrar onde estavam os itens mais vendidos, como filtros, freios e óleos, Zé Carlos me deu uma dica preciosa: “O principal é deixar o cliente contente. Se o cliente é palmeirense, você também é. Se é corinthiano, você automaticamente muda de time. Se ele diz que seu time foi prejudicado pelo juíz, você concorda na hora e faz questão de afirmar que o gol foi realmente irregular. Se ele diz que é mineiro, você já emenda ‘Olha só! Eu também sou, uai’. Para deixar ele mais feliz ainda pode oferecer um descontinho de vez em quando”.

“Você quer ser um grande balconista? Comece com a postura correta. A maneira apropriada de esperar um cliente é com os dois braços bem estendidos e as palmas da mão bem abertas sobre o balcão.”

Uma última lição antes de ir para o balcão: não importa o que aconteça, não se aceitam cheques na MerceVolks. “A gente faz de tudo para ajudar o cara. Mas o motorista de caminhão não tem endereço fixo. Hoje ele está aqui, amanhã na Bahia, depois no Rio Grande do Sul, e depois no Rio Grande do Norte. Então a gente tem que se proteger. Um calote de menos de mil reais pode complicar o final do mês”, conta José.

Dois minutos no balcão já foram suficientes para eu levar um “puxão de orelha”. Enquanto esperava meu primeiro cliente, me apoiei no balcão com os braços cruzados. “Você quer ser um grande balconista?”, me perguntou José, “comece com a postura correta. A maneira apropriada de esperar um cliente é com os dois braços bem estendidos e as palmas da mão bem abertas sobre o balcão.”

“Se nós não temos a peça temos que ir atrás. O importante é passar confiança para o cliente que vamos conseguir o mais rápido possível e, claro, cumprir com a palavra”

Pouco tempo depois, consegui realizar minha primeira venda: retentor, rolamento e pista. Tudo fácil de encontrar no estoque. Com a ajuda do José imprimi a nota fiscal e entreguei as peças. Logo depois, chega o Cabeça, mecânico amigo de longa data do Zé Carlos. “Olha aqui Cabeça, esse é meu funcionário novo. Pode pedir tudo pra ele”. Cabeça me entregou uma extensa lista com as peças que necessitava: coroa e pinhão, porca do pinhão, porca da ponta do pinhão, retentor do pinhão, rolamento do diferencial, junta da tampa do diferencial, junta do semi eixo, calço de regulagem, parafusos, parafusos da caixa satélite e rolamento da ponta do pinhão. Com a lista em mãos fui com o Nelson, funcionário da loja há 12 anos, até o estoque separar as peças e colocar tudo em uma caixa, como se fosse um kit especial para o Cabeça, que voltaria cerca de duas horas depois para buscar sua encomenda. De volta para o balcão, uma tarefa mais fácil. Outro mecânico veio buscar uma peça que havia sido encomendada no dia anterior, um tubo de refrigeração de uma Sprinter 311 Cdi, van da Mercedes-Benz. “Se nós não temos a peça temos que ir atrás. O importante é passar confiança para o cliente que vamos conseguir o mais rápido possível e, claro, cumprir com a palavra”, explica José.

Depois de organizar algumas coisas no corredor de filtros, voltei para o balcão e recebi mais um cliente. Dessa vez, a peça necessária era um rolamento do cardan de um caminhão modelo 1933. Como tínhamos o produto para pronta entrega, foi só embalar e fazer a nota. Porém, na hora de efetuar a compra, um problema: o cliente queria pagar com cheque. Não precisei nem olhar para o José e, já sabendo que seria impossível aceitar, prontamente solicitei ao rapaz se seria possível efetuar o pagamento de outra forma, e na hora ele me disse, “cara, fui tão mal atendido na outra loja que eu vou dar um jeito de trocar esse cheque só para comprar com vocês”.

“O curso de autopeça é o dia-a-dia. Só assim você vai aprender, não tem outro jeito”.

Inclusive, para José, um dos maiores diferenciais de hoje, tanto para o balconista quanto para o distribuidor, é ter boa vontade no atendimento. “Tem muita gente que fica de braço cruzado, mexendo no celular…qualquer coisa que você pede a pessoa já acha difícil, principalmente os mais novos. Lá na SK, por exemplo, tem um menino que me atende que é super atencioso, Silvinho o nome dele. Chegar a ser impressionante, qualquer coisa que você precisa ele dá um jeito”, diz José.

Fora isso, o dono da MerceVolks lista outra característica importante para um balconista nota dez: conhecimento. Mas, como o próprio José me disse, “ninguém nasce sabendo”. E, diferentemente da área mecânica, não existe curso para ser balconista de autopeça. “O curso de autopeça é o dia-a-dia. Só assim você vai aprender, não tem outro jeito”.

Terminei o meu dia na MerceVolks com um olhar completamente diferente sobre os balconistas. Sem dúvida, nunca vou me esquecer de algumas dicas preciosas de quem está há 45 anos na parte de trás do balcão: boa vontade, conhecimento, fazer o cliente feliz e, claro, nunca aceitar cheques.  

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